Notícia
Introdução
Abordamos aqui o tema do preço, do custo e do valor dos serviços de água, entendidos como o abastecimento de água, a gestão de águas residuais e a gestão de águas pluviais. Será que no nosso País o preço dos serviços de águas reflete o seu custo? Infelizmente em muitos casos ainda não, e isso coloca em risco a sustentabilidade destes serviços. E será que o preço dos serviços de águas reflete o seu valor? Ainda menos, longe disso, o valor dos serviços de águas é muito superior ao seu preço e ao seu custo. E o valor da água enquanto recurso hídrico é ainda maior do que o valor dos serviços de águas. Vamos analisar este tema com mais pormenor.
O preço dos serviços de água reflete o seu valor?
Consideremos o contexto internacional, materializado na Agenda 2030 – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, resolução das Nações Unidas, que estabelece as prioridades da Humanidade para acabar com a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar de todos, proteger o ambiente e combater as alterações climáticas, que deverão ser implementadas por todos os países e que abrangem áreas muito diversas, mas interligadas.
Um desses objetivos, o ODS 6, água potável e saneamento, inclui três metas operacionais de água, saneamento e higiene (serviços de águas), três metas operacionais de gestão integrada de recursos hídricos, e duas de governo. São elas: alcançar o acesso universal e equitativo à água segura para todos, alcançar o acesso a saneamento e higiene equitativos para todos, melhorar a qualidade da água, reduzindo para metade as águas residuais não-tratadas e aumentando a reciclagem e a reutilização, aumentar a eficiência no uso da água em todos os setores e assegurar extrações sustentáveis de água doce para enfrentar a sua escassez, implementar a gestão integrada dos recursos hídricos em todos os níveis, inclusive via cooperação transfronteiriça, proteger e restaurar ecossistemas relacionados com a água, ampliar a cooperação internacional e o apoio à capacitação nos países em desenvolvimento em atividades e programas de água e saneamento, e apoiar e fortalecer a participação das comunidades locais, para melhorar a gestão da água e do saneamento.
Para avaliarmos o valor da água, importa percecionar o impacto que este ODS 6 tem nos restantes objetivos. Que valor lhes aporta? Vejamos então cada um desses objetivos.
O ODS 1 pretende erradicar a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares. A expansão dos serviços de águas e a melhoria da qualidade da água e das águas residuais melhora a saúde pública e a economia, aumentando os rendimentos e reduzindo a pobreza. Adicionalmente, a adoção pelas entidades gestoras de tarifários sociais para populações carenciadas facilita o aumento do acesso aos serviços, reduzindo a pobreza. Importa ainda referir que a boa gestão, regularização e proteção dos recursos hídricos permite a redução de cheias e secas, que tem impactes negativos mais intensos sobre a população carenciada, reduzindo a pobreza. Qual será então o valor da água na erradicação da pobreza?
O ODS 2 pretende erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável. A boa gestão, regularização e proteção dos recursos hídricos permite a redução de cheias e secas e a sua melhor alocação e disponibilização para a agricultura, aumentando a produção de alimentos e reduzindo as situações de fome. O aproveitamento das águas residuais e dos seus nutrientes para a rega permite intensificar a agricultura, aumentando a produção de alimentos e reduzindo as situações de fome. Qual será então o valor da água na erradicação da fome?
O ODS 3 pretende garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. O abastecimento de água de boa qualidade microbiológica, física e química permite a redução de doenças transmitidas por via hídrica, como a hepatite. O tratamento adequado de águas residuais e consequente controlo da poluição hídrica permite a redução de doenças transmitidas por via hídrica, como a cólera. Qual será então o valor da água na melhoria da saúde?
O ODS 4 pretende garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. A oferta de bons serviços de águas melhora o rendimento dos alunos e reduz o absentismo escolar. Qual será então o valor da água na melhoria do acesso à educação?
O ODS 5 pretende alcançar a igualdade de género e empoderar todas as mulheres e raparigas. A oferta de serviços de águas, com eliminação do transporte de água pelas mulheres em algumas regiões do mundo, possibilita uma atividade profissional mais bem remunerada. Qual será então o valor da água na melhoria da igualdade de género?
O ODS 7 pretende garantir o acesso a fontes de energia renováveis e acessíveis para todos. As instalações associadas aos serviços de águas são frequentemente propícias à produção de energia renovável. Qual será então o valor da água na melhoria do acesso a fontes de energia renováveis?
O ODS 8 pretende promover o crescimento económico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho digno para todos. Estes serviços permitem a geração direta de emprego no setor da água, através de profissionais da água, nomeadamente jovens. Estes serviços permitem a geração indireta de emprego no setor da água, através do recurso a produtos e serviços necessários. Qual será então o valor da água na melhoria do crescimento económico?
O ODS 9 pretende construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação. A construção de infraestruturas de água, de qualidade e resilientes, contribui para a industrialização sustentável. A adoção de tecnologias limpas e ambientalmente corretas nas infraestruturas da água contribui para a industrialização sustentável. Qual será então o valor da água na melhoria da indústria, inovação e infraestruturas?
O ODS 10 pretende reduzir as desigualdades no interior dos países e entre países. A generalização de serviços de águas de qualidade e economicamente acessíveis facilita a inclusão social e económica da população. O acesso aos serviços de águas sem qualquer restrição da idade, género, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição económica ou outra facilita a inclusão social e económica da população. Qual será então o valor da água na redução das desigualdades?
O ODS 11 pretende tornar as cidades e comunidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis. A generalização de serviços de águas de qualidade e economicamente acessíveis, em zonas formais e informais torna as cidades e comunidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis. A boa gestão dos serviços de águas reduz as catástrofes urbanas e consequentes perdas económicas. A introdução da economia circular no setor da água promove a urbanização inclusiva, sustentável e resiliente em termos de água. Qual será então o valor da água na criação de cidades e comunidades sustentáveis?
O ODS 12 pretende garantir padrões de consumo e de produção sustentáveis. O aumento da eficiência hídrica dos serviços de águas reduz o consumo de recursos hídricos e a deterioração de recursos naturais. A redução de resíduos gerados no setor da água, por meio da prevenção, redução, reciclagem e reutilização, contribui para a sustentabilidade. Qual será então o valor da água na produção e consumo sustentáveis?
O ODS 13 pretende adotar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactes. O aumento da eficiência energética dos serviços de águas reduz as emissões para a atmosfera e assim contribui para a mitigação das alterações climáticas. O aumento da resiliência dos serviços de águas reduz os riscos face a fenómenos extremos e assim contribui para a adaptação às alterações climáticas. Qual será então o valor da água na promoção da ação climática?
O ODS 14 pretende conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. A prestação de serviços de gestão de águas residuais mais eficientes previne e reduz a poluição marítima, potenciando atividades económicas, como por exemplo o turismo. Qual será então o valor da água na proteção da vida marinha?
O ODS 15 pretende proteger, restaurar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres. A conservação, a recuperação e o uso sustentável de ecossistemas de água doce interiores através da boa gestão de recursos hídricos protege a vida terrestre. A integração dos ecossistemas e da biodiversidade nos serviços de águas (infraestruturas verdes) promove o uso sustentável. Qual será então o valor da água na proteção da vida terrestre?
O ODS 16 pretende promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável. A boa prestação de serviços de águas promove o desenvolvimento. A boa gestão dos recursos hídricos internacionais promove a paz através de melhores relações internacionais e evita a guerra. Temos que evitar que a água seja um desencadeador de conflitos pela sua posse e utilização, ou que seja utilizada como uma arma de guerra. Qual será então o valor da água na promoção da paz?
Não conseguimos obviamente quantificar o valor da água na sua contribuição para alcançarmos todas estas prioridades da Humanidade, pelas suas caraterísticas de intangibilidade. Mas é certamente enorme!
O preço dos serviços de água reflete o seu custo?
A cobertura dos gastos é um aspeto essencial para a sustentabilidade económico-financeira dos serviços de águas. Acontece, porém, que a maioria das entidades gestoras não cobre os seus gastos efetivos com os preços que pratica. Ainda menos cobre os gastos que deveria ter para assegurar a sustentabilidade a longo prazo, por exemplo uma adequada reabilitação de ativos.
Isso obriga o “contribuinte” a pagar pelo “consumidor”, criando uma ilusão perigosa de um baixo valor da água, e transmitindo um sinal errado, pois o pagamento não é indexado ao consumo.
Adicionalmente, viola o espírito da legislação nacional e europeia. Efetivamente, a Lei da Água, de 2005, determina que o regime de tarifas a praticar pelos serviços públicos de águas visa os seguintes objetivos: assegurar tendencialmente e em prazo razoável a recuperação do investimento inicial e de eventuais novos investimentos de expansão, modernização e substituição, deduzidos da percentagem das comparticipações e subsídios a fundo perdido; assegurar a manutenção, a reparação e a renovação de todos os bens e equipamentos afetos ao serviço e o pagamento de outros encargos obrigatórios, onde se inclui nomeadamente a taxa de recursos hídricos; e assegurar a eficácia dos serviços num quadro de eficiência da utilização dos recursos necessários e tendo em atenção a existência de receitas não provenientes de tarifas. Por outro lado, a Lei das Finanças Locais especifica que os orçamentos das entidades do setor local devem prever as receitas necessárias para cobrir todas as despesas. Note-se que refere “todas as despesas” e não apenas as “despesas mínimas de sobrevivência”, como tantas vezes acontece.
Sendo a legislação tão cristalina, será que a “lei não cola” neste setor? O que falta? Compromisso político? Ou sentido de responsabilidade coletiva? Ou ambos?
Conclusões
O valor da água é muito mais do que o seu custo, pois tem um enorme valor para as nossas famílias, saúde, higiene, educação, dignidade, cultura, produtividade, economia, ambiente e paz. E infelizmente o seu custo continua a ser em muitos casos superior ao seu preço, ao preço que pagamos no final do mês, o que coloca o risco da sustentabilidade destes serviços públicos essenciais.
Importa darmos mais atenção à perceção pública sobre os serviços de águas. Um copo de água da torneira é dado por adquirido pela sociedade, que raramente tem a perceção da complexidade organizacional, científica, tecnológica, económica, jurídica e social que está por trás deste simples gesto, nem do esforço que foi feito ao longo de décadas, nem dos desafios atuais e futuros com que nos temos de defrontar, nem das mensagens de crescente preocupação das principais organizações internacionais neste domínio.
Importa então olhar para o copo de água com mais atenção. Importa acabarmos com alguns mitos com que convivemos. O preço dos serviços de água não é elevado em Portugal, pois custa em média muito menos quando comparado com os restantes serviços essenciais que utilizamos. E a água da torneira custa 500 a 1000 vezes menos do que a água engarrafada. Pagamos e aparentemente queremos continuar a pagar menos do que o custo real destes serviços, colocando em risco a sua sustentabilidade, sem percecionarmos que o seu valor real é muitíssimo superior e que temos que tratar a água como um recurso estratégico crítico.
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A visão da Associação LIS-Water – Lisbon International Centre for Water é contribuir para um mundo melhor através de uma melhor governança da água. Promove assim serviços de abastecimento de água e de gestão de águas residuais e pluviais mais eficazes, eficientes e resilientes, no quadro dos objetivos de desenvolvimento sustentável.
Estes serviços de águas são essenciais para o bem-estar dos cidadãos e para as atividades económicas, com um claro impacto na melhoria da saúde pública, da sustentabilidade ambiental e da mitigação de riscos, nomeadamente decorrentes de alterações climáticas. Geram benefícios em termos de criação de emprego, de crescimento económico, de incremento da estabilidade social e de redução de conflitos, contribuindo para uma sociedade mais desenvolvida, pacífica, equitativa e saudável.
A missão da LIS-Water é assim reforçar as políticas públicas, a regulação e a gestão dos serviços de águas para benefício da sociedade, integrando o melhor conhecimento em gestão, economia, engenharia, direito, ciências sociais, comunicação e noutras áreas relevantes.
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