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A aprovação dos tarifários dos serviços de águas e a importância de falar claro

Têm-se repetido nos últimos dias declarações públicas da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e de diversos Municípios manifestando a sua discordância com a decisão do Governo de devolver à Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) a competência para definir as tarifas dos sistemas municipais de gestão direta ou delegada relativas aos serviços de abastecimento de água e de águas residuais.

Argumentando que a decisão viola a autonomia do poder local, essas declarações resultam de um recente comunicado do Conselho de Ministros, que anuncia a revogação da alteração dos poderes da ERSAR ocorrida em 2021.

Vamos, então, aos factos, e à nossa interpretação dos mesmos.

O Comunicado do Conselho de Ministros de 8 de agosto de 2024 refere que o Governo “aprovou um Decreto-Lei que define as tarifas, os rendimentos tarifários e demais valores, aplicando os valores de 2023 ajustados à taxa de inflação, cobrados nos termos dos contratos de concessão de sistemas multimunicipais de abastecimento de água e saneamento para o ano de 2024 e que devolve à ERSAR as competências para a fixação das tarifas, revogando a alteração introduzida na Lei do Orçamento do Estado para 2021 e regressando ao modelo em que os poderes tarifários são exercidos por entidade administrativa independente”.

Não é fácil uma interpretação imediata e clara a partir deste comunicado, até porque não esclarece o que se refere a sistemas multimunicipais e o que se refere a sistemas municipais. A afirmação de que devolve à ERSAR as “competências para a fixação das tarifas”, embora sejam alusivas apenas aos sistemas multimunicipais, pode induzir facilmente em erro, talvez por essa razão levando a reações por parte dos Municípios.

Mas é possível, mesmo antes da publicação do respetivo Decreto-Lei, fazer uma interpretação mais cuidada. Importa que todos procuremos comunicar com clareza para garantir que a mensagem seja compreendida de forma precisa e eficaz, evitando mal-entendidos, facilitando o entendimento e melhorando a confiança entre as partes.

A Lei n.º 10/2014, de 6 de março, que aprova os Estatutos da ERSAR, atribuía-lhe os poderes de regulamentar, avaliar, auditar, recomendar, fiscalizar, sancionar e emitir instruções vinculativas relativamente aos tarifários dos sistemas municipais de gestão direta ou delegada.

A Lei do Orçamento do Estado de 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro) retirou esses poderes, passando a ERSAR, no que aos tarifários dos sistemas municipais de gestão direta ou delegada diz respeito, apenas a avaliar, auditar, recomendar, fiscalizar e sancionar.

A atual decisão do Conselho de Ministros revoga esta alteração de 2021 e volta a dar à ERSAR os poderes que lhe haviam sido atribuídos em 2014.

Em nenhum destes momentos a ERSAR teve poderes para definir as tarifas dos serviços de abastecimento de água e saneamento dos sistemas municipais de gestão direta ou delegada. E obviamente que a revogação não pode atribuir à ERSAR poderes que ela nunca teve, pelo que estamos perante um “não assunto”.

Em conclusão, a revogação anunciada pelo Conselho de Ministros não significa, em nosso entender, devolver à ERSAR competências para a fixação das tarifas, poder que aliás nunca teve. Os Municípios continuarão a aprovar os seus tarifários.

E o regresso dos poderes da ERSAR ao previsto em 2014, de aprovação ex-ante do regulamento tarifário após consulta pública, seguindo-se a aprovação do tarifário pelos titulares das entidades gestoras, voltando o regulador a intervir ex-post para garantir o seu cumprimento, poderá constituir um momento chave para o desenvolvimento dos serviços de abastecimento de água e de águas residuais em Portugal.

Consulte uma análise mais detalhada deste assunto aqui.

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